Agendas discriminatórias influenciam mudanças propostas no Código Civil 1y5g5
Por detrás das boas intenções de cada introdução de um PL há agendas de interesse em disputa, muitas progressistas, outras liberais, diversas discriminatórias

O Congresso Nacional representa a sociedade. Seus integrantes legitimamente eleitos são a expressão do desejo e dos conflitos dos cidadãos. Desse embate sobrevivem as democracias. Por isso, analisa a pesquisadora e advogada Ana Lucia Macea Ortigosa, quando um projeto de lei é construído, registrado e posto a debate para aprovação necessita de atenção pormenorizada para evitar revogação de conquistas.
- Por detrás das boas intenções de cada introdução de um PL há agendas de interesse em disputa, muitas progressistas, outras liberais, diversas discriminatórias. Sob o objetivo de atualizar, alterar, aprimorar, defender e introduzir mudanças estão também – conforme o ponto de vista – retroceder, inviabilizar, cancelar, bloquear e suprimir direitos hoje garantidos para grupos sociais de todos os níveis.
O mais robusto exemplo desse contexto democrático no Congresso Nacional pode ser conhecido quando se destrincha as 247 páginas do Projeto de Lei 4/2005 apresentado no Senado Federal.
A propositura formalizada em fevereiro desse ano e de autoria do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG) espelha como se engalfinharam diversos setores da sociedade ao longo dos últimos dois grandes escândalos envolvendo todas as linhas partidárias. Ao mesmo tempo, tenta acomodar propósitos de grupos de pressão – com intensa vida nas duas casas superiores do legislativo pátrio – de forma que garanta alterações de status quo de relacionamentos sociais há muito consagrados em nossa legislação.
Ana Lúcia Macea Ortigosa estudou a norma e preparou um guia rápido para que possamos apreender o sentido das mudanças. Ela nos mostra o que consideram avanços e retrocessos do que está sendo proposto e o que significa para sociedade a alteração legislativa.
AVANÇOS
• A referência de “homem e mulher” nas normas disciplinadoras do casamento/união estável serão alteradas pela expressão “duas pessoas”, fazendo com que qualquer casal, heteroafetivo ou não, seja representado no sistema jurídico de forma igualitária.
• Consolidação do fim da existência da separação judicial no Brasil. Ficou insustentável manter a validade de qualquer disposição legal sobre o instituto da separação judicial, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010 que dispôs a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
• Manutenção da separação de fato no sistema jurídico. Embora não se possa alterar a subsistência do instituto, por questões de sua essência, as mudanças são relevantes para auxiliar sua efetividade perante a sociedade. Assim, os deveres de fidelidade, coabitação e até mesmo o regime de bens serão disciplinados, trazendo uma maior segurança para aqueles que vivenciam essa situação. É mais uma forma de trazer para a legislação aspectos já amplamente discutidos e pacificados na jurisprudência dos tribunais superiores.
• Regulamentação do divórcio “post mortem”. Em mais uma demonstração de consagração, cada vez maior, da autonomia privada, o autor que falecer, após ajuizar a ação de divórcio, poderá alcançar o objeto da demanda, através da continuidade da ação pelos seus herdeiros, retroagindo os efeitos da sentença à data do óbito
• Registro de parentalidade. Poderá ser registrado o nome do pai da criança diretamente na certidão de nascimento, após o genitor ser notificado e não comparecer em cartório ou apenas recusar a se submeter ao exame de DNA. Os juristas levaram em consideração a morosidade do reconhecimento judicial do vínculo paterno-filial, bem como os números assombrosos de crianças brasileiras desprovidas do registro da paternidade.
RETROCESSOS
• Convivência entre pais e filhos: talvez o maior retrocesso do PL 4/2025 foi em relação a necessidade humana dos filhos conviverem com ambos os pais. O projeto deixou, propositadamente, de submeter à aprovação do Senado Federal o texto proposto pela Subcomissão de Direito de Família quanto a regulamentação da convivência familiar de modo a dar coerente e verdadeira efetividade ao já disposto na Constituição Federal em assegurar aos menores (criança e adolescente) o direito à convivência familiar, responsabilidade que é atribuída a ambos os genitores.
O projeto, infelizmente, reforça o posicionamento de algumas pessoas que insistem em defender que o menor não precisa da participação de ambos os pais para sua formação. Assim, restou permitido que qualquer um dos pais possa abdicar de uma obrigação constitucional, qual seja o dever de cuidado, o que por si só já torna o texto civil inconstitucional. E, mais, tal regulamentação abre mão de estipular a divisão equânime das obrigações parentais. O texto preferiu se restringiu a somente tutelar guarda e visita.
• Socioafetividade: embora o Conselho Nacional de Justiça tenha permitido o reconhecimento da filiação socioafetiva extrajudicial, a partir dos 12 (doze) anos, desde que haja concordância dos pais do adolescente, o projeto vai de encontro ao propósito de desjudicializar procedimentos que independem de análise de mérito e regulamenta que o reconhecimento e filiação socioafetiva de menores, inclusive de incapazes será feito por via judicial. Ressalvando apenas a situação do capaz e maior de 18 (dezoito) anos em fazer o reconhecimento extrajudicial, cabendo ao oficial do Registro Civil reconhecer a existência do vínculo de filiação. Porém, nesse caso, foi regulamentada a obrigatoriedade da concordância dos pais naturais, dos socioafetivos e do filho. Ou seja, o reconhecimento socioafetivo extrajudicial que antes era permitido com 12 (doze anos) agora é necessário aguardar a maioridade.
• Adoção de maiores de 18 (dezoito) anos: permanece a adoção de maiores de idade através de escritura pública ou perante o registro civil, mas de uma forma totalmente descabida e retrograda ou a se exigir a concordância dos pais registrais. Caso contrário, mais uma vez, reforça-se a utilização do Poder Judiciário para suprir uma questão que não envolve análise de mérito e, pior, situação que diz respeito a maior e capaz.
Exclusão do cônjuge como herdeiro necessário: o projeto de Lei retira do cônjuge/companheiro a condição de herdeiro necessário, situação conquistada em um longo processo de adequação do ordenamento jurídico aos avanços conquistados pela sociedade. Se o texto for aprovado, o cônjuge/companheiro deixará de concorrer com os descendentes e ascendentes do autor da herança referente aos bens adquiridos pelo falecido antes do casamento ou da união estável.
Direito ao esquecimento: o Supremo Tribunal Federal em 2021 aprovou a tese com repercussão geral de que o Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Em outras palavras, o STF negou a possibilidade de permitir que alguém consiga obter do Poder Judiciário, em razão da agem do tempo, uma decisão que autorize o impedimento da divulgação de fatos ou dados verdadeiros e licitamente obtidos e publicados por meio de comunicação social ou digital. Entretanto, embora a comissão de juristas afirme que o Projeto de Lei tem por princípio maior consagrar decisões importantes consolidadas pelos Tribunais Superiores, à proposta é permitir a aplicação do direito ao esquecimento por todos os juízes do país. A questão primordial é se o Código Civil é instrumento adequado para abraçar esse tema, haja vista ser uma lei que tem por escopo a perpetuação do máximo de tempo possível. Ou seja, assuntos que não precisam orientar a coletividade pelo maior tempo possível são destinados a serem regulamentados em leis próprias e específicas para o caso. Além disso, a própria decisão do STF já fazia ressalva da análise caso a caso e, principalmente, sobre eventuais abusos ou excessos nas discussões pontuais. Logo, consagrar o direito ao esquecimento no Código Civil se mostra em descomo com as normas atuais e a um dos princípios fundantes da própria comissão de revisão do Código Civil.
Saiba mais:
Ana Lucia Macea Ortigosa é advogada Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. Foi também professora assistente na PUC-SP nas disciplinas de Direitos Humanos, Direito Ambiental, Direito Penal e da Infância. Foi coordenadora do Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere -Comunidade da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, USP e colaboradora no Ministério Público do Estado de São Paulo. É autora do capítulo “Direito a envelhecer com Dignidade” do livro Biodireito e Direito da Personalidade: questões polêmicas, da Editora ThoTh. Atualmente é advogada líder nas áreas de Governança Corporativa, Contencioso Cível e Trabalhista.
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